Yeshua através de olhos judaicos: Um rabino examina a vida e os ensinamentos de Yeshua

Yeshua através de olhos judaicos: Um rabino examina a vida e os ensinamentos de Yeshua

 

Por Rav John Fischer, Ph.D., Th.D.

 

PARTE 1

Sobre ele foi dito: “Eis aqui um homem que nasceu num obscuro vilarejo, filho de uma camponesa. Ele cresceu em outro vilarejo. Ele trabalhou em uma carpintaria até completar trinta anos, e depois de três anos foi um pregador itinerante. Ele nunca escreveu um livro. Ele nunca teve um escritório. Ele nunca possuiu uma casa. Ele nunca teve uma família. Ele nunca foi para a faculdade. Ele nunca viajou mais de 200 milhas do lugar onde ele nasceu. Ele nunca fez nenhuma das coisas que normalmente acompanham a grandeza. Ele não tinha credenciais, mas tinha a si mesmo. Quando ainda era jovem, a maré da opinião pública se voltou contra ele. Seus amigos fugiram. Um deles o negou. Ele foi entregue aos seus inimigos. Ele passou pelo escárnio de um julgamento. Ele foi pregado em um madeiro entre dois ladrões. Seus executores tiraram sortes para a única propriedade que ele tinha na terra, enquanto ele estava morrendo, e esta era sua túnica. Quando ele foi morto, ele foi retirado e colocado em um túmulo emprestado pela piedade de um amigo. Mais de dezenove longos séculos vieram e se foram, e hoje ele é a peça central da raça humana e o líder da coluna de progresso da humanidade. Posso afirmar com bastante certeza quando digo que todos os exércitos que já marcharam, e todos os navios que já foram construídos, e todos os parlamentos que já existiram e todos os reis que já reinaram, colocados juntos, não afetaram a vida do homem na Terra do mesmo modo que esta única vida solitária tem feito.”

A apreciação do judaísmo por ele (Yeshua) tem com frequência sido brilhante da mesma forma. O altamente respeitado filósofo judeu Martin Buber escreveu: ” …Eu estou mais do que nunca certo de que um ótimo lugar pertence a ele na história da fé de Israel e que este lugar não pode ser descrito por nenhuma das categorias usuais.” [ TWO TYPES OF FAITH, Harper, New York, 1961, pp. 12-13.]

Em uma entrevista, Albert Einstein observou: “Quando criança, eu recebi instrução tanto na Bíblia quanto no Talmud. Eu sou judeu, mas estou encantado com a figura luminosa do Nazareno … Ninguém pode ler os Evangelhos sem sentir a presença real de Yeshua. Sua personalidade pulsa em cada palavra. Nenhum mito é preenchido com tanta vida.” [George Viereck, “What Life Means to Einstein,” THE SATURDAY EVENING POST, Oct. 26, 1929.]

O Presidente Emérito da Conferência Central de Rabinos Americanos, Hyman Enelow, observou: “Quem pode calcular tudo o que Yeshua significou para a humanidade? O amor que ele inspirou, o consolo que deu, o bem que fez, a esperança e a alegria que suscitou? Tudo isto é inigualável na história da humanidade.” [“A Jewish View of Jesus,” SELECTED WORKS OF HYMAN ENELOW, VOLUME III: COLLECTED WRITINGS, privately printed, 1935.]

O ex-presidente do Hebrew Union College, Rabbi Kaufman Kohler, se dirigiu ao Congresso em 1893 da seguinte forma: “Nenhum sistema ético ou catecismo religioso, por mais amplo e puro, poderia igualar a eficiência dessa grande personalidade, ficando, diferente de qualquer outro, a meio caminho entre o céu e a terra, igualmente perto de D’us e do homem … Yeshua, o auxiliar dos pobres, o amigo do pecador, o irmão de cada companheiro sofredor, o consolador de cada aflito pela tristeza, o curador do doente, o levantador dos caídos, o amante do homem, o redentor da mulher, ganhou o coração da humanidade pela tempestade. Yeshua, o mais manso dos homens, o mais desprezado da raça desprezada dos judeus, montou no trono do mundo para ser o Grande Rei da terra. [Quoted in Jakob Jocz, London, 1962.]

O que faz Yeshua levantar a cabeça e ombros acima do resto e ainda assim ter raízes tão profundas entre seu próprio povo? Abraham Lincoln perceptivamente aponta para uma parte da resposta: “Eu duvido da possibilidade, ou propriedade, de se estabelecer a religião de Yeshua HaMashiach nos moldes de credos e dogmas feitos pelo homem “. [ Quoted in William Wolf, THE RELIGION OF ABRAHAM LINCOLN, 1963, p. 51.]

David Flusser, o ex-chefe de departamento na Universidade Hebraica de Jerusalém, sobrevivente do holocausto, indica uma maior parte do resto da resposta: “Como judeu, ele [Yeshua] aceitou integralmente a Torá. A comunidade que ele fundou, comparável em alguns aspectos aos essênios, viu-se como um movimento de reforma e realização DENTRO do judaísmo, e não separado dele.” [JESUS, Herder and Herder, New York, 1969, p. 216.]

Rabino Stephen Wise, um dos fundadores e expoentes da Reforma do Judaísmo, disse que de forma muito sucinta: “Yeshua é o judeu dos judeus.” [THE OUTLOOK, June 7, 1913.]

Não é de admirar, então, que o ex-capelão do Senado Richard Halverson poderia salientar: “Há algo superficial num cristianismo que perdeu suas raízes judaicas”. [“A Stout Stand for Israel,” CHRISTIANITY TODAY, November 20, 1981, p. 51.]

Ou, mais incisivamente: “Retirar Yeshua para fora do seu mundo judaico destrói tanto Jesus quanto destrói o cristianismo, …. Mesmo o papel mais conhecido de Yeshua como Messias é um papel judaico. Se os cristãos deixam de lado as realidades concretas da vida de Yeshua e da história de Israel em favor de um ‘Jesus espiritual universal mítico’ e um reino sobrenatural de D’us, eles negam suas origens em Israel, sua história, e também o D’us que ama e protege Israel. Eles deixam de interpretar o Yeshua real enviado por D’us e o refazem à sua própria imagem e semelhança. Os perigos são evidentes. Se os cristãos arrancarem violentamente Yeshua para fora do seu lugar natural, étnico e histórico dentro do povo de Israel, eles abrem o caminho para fazer igual violência a Israel, o lugar e o povo de Yeshua. Esta é uma lição de história que nos assombra no final do século 20.” [ Anthony Saldarini, “What Price the Uniqueness of Jesus?” BIBLE REVIEW, June 1999, p. 17.]

“Assim, torna-se ainda mais vital olharmos Yeshua através de olhos judaicos.” [For an excellent recent discussion, see David Friedman, THEY LOVED THE TORAH, Lederer, Baltimore, 2001.]

 

PARTE 2 

A Judaicidade de Sua Vida e Ensino

A Brit Chadashá reporta de forma marcante que Yeshua foi criado como um judeu nas tradições e fé de seus antepassados. Desde o primeiro momento, foi-lhe dado um nome comum entre os judeus que refletia sua missão, Yeshua (Mt. 1:21), que significa: “O Eterno salva”.

Este foi não só o terceiro nome de menino mais comumente usado no final do período do Segundo Templo do Judaísmo, e ele se conecta diretamente com a expectativa profética (Is 62:11 diz literalmente: “Seu Yeshua está chegando …”).

Seus pais vieram para o Templo com o recém-nascido Yeshua para sua B’rit Milá (circuncisão), para o Pidyon Haben (redenção do primogênito), e para a purificação ritual da mãe (Lc 2, 21-24.) num mikveh. A família de Yeshua também ia a Jerusalém anualmente para observar as festas tradicionais (Lc. 2:41).

Esta prática habitual é uma indicação da observância especialmente devotada da família; nem todas as famílias da época poderiam observar ou observavam esta prática. Em uma dessas viagens, quando ele tem doze anos, Yeshua interagiu com os professores rabínicos, fazendo perguntas penetrantes como um aluno pré-bar mitzvah excepcionalmente sábio (Lc 2:42).

Assim como sua infância, sua vida posterior também foi carimbada pela sua herança judaica. Ele respeitou o Templo e seu culto de adoração ao Eterno, esperando que seus seguidores oferecessem os sacrifícios habituais (Mt. 5:23, 24) e saíssem do seu caminho para pagar o imposto do Templo (Mt. 17: 24-27). Como os judeus devotos de sua época ele participou regularmente na sinagoga no Shabat (Lc. 4:16). Primeiro sendo ensinado lá como uma criança, e mais tarde ministrando o ensino ele próprio.

Ele sempre observou as festas e feriados judaicos (não somente as ordenadas na Torá, mas mesmo as festas da tradição judaicas, como Chanuká) e usou essas ocasiões para indicar como elas destacavam a sua missão (Jo 2:13; 5: 1, 7: 2, 10, 37-39; 08:12, 10: 22-23; 13: 1-2).

Ele usou e ensinou as orações tradicionais de sua época (cf. Mt. 6: 9-13). “Sua oração especial, o Avinu Shebashamayim (Pai nosso), é apenas uma forma abreviada da terceira, quinta, sexta, nona e décima quinta das Dezoito Bênçãos da Amidá” ( Joseph Jacobs, JEWISH ENCYCLOPEDIA, vol. VII, Funk and Wagnalls, New York, 1916, p. 102.).

E, claramente, ele usou as bênçãos familiares sobre o pão (hamotsi lechem) e o vinho (bore peri hagafen), quando ele recitou a benção (brachá) nas refeições (cf . Lc 22, 19-20.).

Os evangelhos também indicam que ele era bastante judaico em seus vestimentos. Quando a mulher com a hemorragia estendeu a mão para ele, ela agarrou a barra da sua roupa (Mc 6:56;.. Mat 9:20; Lc 8:44). O termo grego usado aqui, kraspedon, comumente traduz o hebraico tsitsit ou franjas, que D’us havia ordenado ao povo judeu a usar (Nm 15:. 37-41). [Estes tsitsiot são usados nos quatro cantos de seu talit (manto de orações, ordenado em Deuteronômio 12:22), e são ainda mais especiais em referência ao Mashiach Yeshua, pois cumpre a profecia de Malaquias, que diz: “e cura trará nas suas asas”, onde asa é como é conhecido o talit, quando aberto ou estendido sobre alguém por um sacerdote.]

Seu modo de vida refletia outros costumes judaicos também. Ele seguiu o costume de não só pregar na sinagoga, mas ao ar livre, como os rabinos que “pregaram em toda parte, na praça da aldeia e no campo, bem como na sinagoga”. O uso frequente de imersão associada a seu ministério também era bastante comum para sua época, como o próprio Talmud testemunha (Sanhedrin 39a) sobre este fato.

Como já foi indicado, se alguém aceita isso ou não, é um fato atestado pelos Evangelhos … que até a chegada de sua hora final Yeshua nunca deixou de praticar os rituais básicos do judaísmo. Talvez, o mais importante foi a sua relação com a Lei e as tradições, o que alguns têm descrito como “totalmente ortodoxa” [George Foot Moore, JUDAISM IN THE FIRST CENTURIES OF THE CHRISTIAN ERA, vol. II, Schocken Books, NewYork, 1971, p. 9.]

Ele declarou a permanência de toda a Torá (Mt. 5, 17-19). E aceitou até mesmo algumas extensões farisaicas (Mt . 23: 2-3). Algumas delas incluem: o dízimo de ervas (Mt. 23:23; cf. Maaserot 4.5), a graça nas refeições (Mc 6:41; 8:. 6), as bênçãos sobre o vinho, e da recitação dos Salmos Hallel no Seder de Pessach (Mc 14, 22-23., 26). Essa relação com as tradições e práticas do seu tempo fez com que David Flusser escrevesse na Enciclopédia Judaica: [Vol. 10, p. 14.] … “os Evangelhos fornecem provas suficientes no sentido de que Yeshua não se opôs a qualquer prescrição da Lei mosaica escrita ou oral.”

 

PARTE 3

O fato de que Yeshua pregava regularmente nas sinagogas, o que não teria sido possível se o seu estilo de vida ou ensinamentos tivessem sido reconhecidamente diferentes dos ensinamentos habituais ou da halachá aceita (opiniões autorizadas), corrobora essas observações.

O incidente em Mateus 9:18 fornece corroboração adicional. O “príncipe” – em Lc 8:41 e Mc. 5:22, o “chefe da sinagoga” (Rosh Knesset ?) – que era o homem mais importante na sinagoga ir até Yeshua e clamar pela salvação de sua filha moriunda. Tanto o seu pedido quanto sua postura (de se ajoelhar) indicam a pronta aceitação deste líder religioso e de profundo respeito por Yeshua como um judeu observante e líder religioso importante.

Outro autor observou ainda: Yeshua representa um ponto de desenvolvimento em execução ininterrupta da Bíblia hebraica e ligado a ela através de um suplemento interpretativo que é característico da grande criação literária dos rabinos, a Torá Oral.

Como o erudito bíblico e filósofo Israelense Yehezkel Kaufmann descreve: “A atitude de Yeshua com a Torá é a mesma atitude que se encontra entre os mestres da halachá e Hagadá que seguiram a tradição farisaica” [ B.Z. Bokser, Alfred Knopf, New York, 1967, pp. 208-209]

Na verdade, até mesmo o Sermão da Montanha, muitas vezes visto como a essência e síntese dos ensinamentos de Yeshua, reflete conceitos familiares aos judeus de sua época e que eram consistentes com o ensino rabínico. Para começar, é bastante similar em estilo. Grande parte do sermão consiste em ilustrações da compreensão adequada da Lei, ou Torá, que defina as suas implicações mais amplas e descrevendo seus princípios mais amplos.

Muitas das ilustrações que ele usou foram comuns aos “rabinos” de sua época, e o sermão todo é realizado no estilo de uma midrash – uma interpretação suplementar da Escritura, da mesma forma como é exemplificado na Torá Oral, que mais tarde tornou-se o Talmud. Assim como Yeshua, esses professores sentiram que a explicação moralmente sensível deve ir além da mera conformidade com a Torá (confira Baba Mezia 88a; Mekilta em Ex 18:20.).

Como cada um expunha a Torá, as coisas que eles ensinaram se equiparavam entre si. Um exemplo desse ensinamento paralelo vem do Talmud: “Quem tem piedade de seus semelhantes obtém misericórdia do céu” (Shabat 151b; confira Mt. 5, 7). Outras semelhanças com as bem-aventuranças poderiam ser citados também. [veja, e.g. Isaac, pp. 78-79; Johannes Lehmann, RABBI J, Stein & Day, New York, 1971, p. 91.]

Os eruditos frequentemente citam a famosa passagem “dar a outra face” (Mt. 5: 38-48) como um exemplo da novidade radical dos ensinamentos de Yeshua. Mas mesmo aqui não se mantém que esse espírito de Yeshua de paciência, de mansidão, de bondade, de caridade, seja totalmente o oposto ao ensino dos rabinos. Na verdade, é o mesmo espírito que inspirou o melhor ensinamento dos rabinos … [C.G. Montefiore, RABBINIC LITERATURE & GOSPEL TEACHINGS, KTAV, New York, 1970, p. 52.]

O ponto que Yeshua enfatizou aqui é a resposta adequada ao insulto, “o tapa na cara”. Uma pessoa não deve pedir reparação ou retaliação, mas deve suportar o insulto humildemente. Com isso os rabinos concordam, e aconselham que uma pessoa atingida no rosto deve perdoar o ofensor, mesmo se ele não pedir perdão (confira Tosefta Baba Kamma 9: 29).

O Talmud elogia a pessoa que aceita ofensa sem retaliação e se submete ao sofrimento e ao insulto alegremente (confira Yoma 23a). Na verdade, pode-se encontrar paralelos no material rabínico para quase todas as declarações de Yeshua neste parágrafo. (5: 38-42) [E.g., v. 39 cf. Baba Kamma 8.6; v. 40 cf. Pirke Avot 5.13, Mekilta on 22:25, 102b; v. 41 cf. Baba Mezia 7.1; v. 42 cf. Sifra Kedoshim on 19:18, 89a. See also Bokser, p. 192; Asher Finkel, THE PHARISEES & THE TEACHER OF NAZARETH, E. J. Brill, Leiden, 1964, p. 165. ]

O parágrafo seguinte (vv. 43-47) baseia-se em “amar o inimigo”. Aqui, também, declarações que expressam ideias semelhantes podem ser encontradas nos escritos dos rabinos. Por exemplo, “se alguém procura fazer mal para você, faça você o bem de orar por ele” (Testamento de Yossef XVIII.2; confira. Mt. 5:44).

Embora seja verdade que os rabinos nem sempre concordam sobre como tratar um inimigo, há indícios de que muitos deles ensinavam perspectivas semelhantes a Yeshua. [E.g. v. 43 cf. Sifra on Lev. 19:18, 89b; v. 45 cf. Mekilta on 18:12, 67a; v. 48 cf. Sifre Deut. on 11:22, 85a; see also Montefiore, pp. 68, 73-74; Jacobs, p. 166; as well as Samuel T. Lachs, A RABBINIC COMMENTARY ON THE NEW TESTAMENT, KTAV, Hoboken, NJ, 1987.]

A seguinte avaliação dos paralelos entre os ensinamentos de Yeshua e aquele dos fariseus reconhece este ponto em comum, mas também reconhece a independência. Notamos que os ensinamentos de Yeshua são expressivos do método e substância da Torá Oral desenvolvida pelos grandes mestres do judaísmo rabínico.

Se, em alguns detalhes, Yeshua trilhou uma linha independente, isto era normal no judaísmo rabínico, o que permitiu uma ampla latitude para cada professor a pensar de forma independente. Se, em alguns casos, seus pontos de vista podem ter despertado a oposição dos professores contemporâneos, este também era um fenômeno normal no judaísmo. Os debates entre a Escola de Shammai e a Escola de Hillel sobre a interpretação da tradição e sua aplicação à vida contemporânea, por vezes, eram ferozmente acirrados, mas nunca houve qualquer dúvida de que ambos eram linhas legítimas para a exposição do judaísmo.

 

PARTE 4

O Conflito Examinado

Como a citação anterior ilustra, enquanto Yeshua estava muito em sintonia com seu tempo e seu povo, havia pontos de conflito entre ele e alguns dos líderes religiosos.

Então, qual era a natureza desse conflito? Yeshua ensinou em um período de fluxo e transição, de várias interpretações da Torá em desenvolvimento, e ocasionalmente conflitantes entre si. E aproveitando essa liberdade de interpretação, ele, no entanto, manteve-se completamente judaico e integrado à visão principal do Judaísmo.

Por exemplo, ele aceitou as leis sobre o Shabat, mas se diferenciou na interpretação de algumas dessas leis relativas a determinadas condições que justificam a sua suspensão. [ Israel Abrahams, STUDIES IN PHARISAISM AND THE GOSPELS, KTAV, New York, 1967, vol. I, pp. 134, 131.]

“Em pontos menores … ele mostrou uma liberdade do costume tradicional, que implicava uma ruptura com a regra mais rigorosa dos adeptos mais rigorosos da Lei naquele tempo “. [Joseph Jacobs, JEWISH ENCYCLOPEDIA, vol. VII, Funk and Wagnalls, New York, 1916, p. 162.]

No entanto,” algumas dessas, é claro, podem ser violações permitidas de tradições que, longe de ter uma força de ligação, foram objeto de livre e contínuos debates internos “.

 Deve-se lembrar, então, que ele não violou os costumes e práticas geralmente aceitos; ele simplesmente não concordou com algumas declarações específicas apresentadas por alguns professores. A questão do Shabat ilustra isso…. “Há provas de que Yeshua nunca quebrou abertamente o Shabat; quando ele apareceu diante do Sanhedrin (Sinédrio), não havia qualquer vestígio de tal acusação contra ele, a qual certamente não deixaria de ser feita caso tivessem a menor possibilidade de fundamento … no caso do Shabat, como em todos os casos deste tipo, Yeshua tomou a posição clara, não contrária à Lei, nem mesmo contra as práticas rituais, mas contra a excessiva importância que determinados doutores fariseus atribuíam a elas; nem mesmo contra o farisaísmo, mas contra as tendências particulares no farisaísmo, especialmente a tendência de colocar a letra antes do Espírito.” [Isaac, p. 60.]

Uma outra consideração merece menção. Vários comentários de Yeshua indicam que ele interagiu com a discussão entre as escolas de Hillel e Shammai, e, portanto, estaria em conflito com um ou outro [Finkel, pp.139-142.].

Por exemplo, a declaração sobre o dízimo da hortelã e endro (Mt. 23.: . 23f) reflete uma das coisas incluídas para o dízimo por Shamai, mas não por Hillel (Maaserot 1.1 cf. 4.6; Eduyyot 5,3; Demai 1.3).

Isso mostra o grau de zelo e compromisso de Shammai para a Lei do dízimo (Dt 14: 22-23.). A referência sobre o aumento da tsitsit alude a uma outra discussão entre as escolas. Em resposta ao comando para fazer tsitsit (Dt. 22:12), Shammai queria fazer tsitsit maiores do que Hillel (Menaḥot 41b).

Qual era então o principal foco do conflito entre Yeshua e alguns dos líderes religiosos do seu tempo? Foram simplesmente diferentes interpretações e aplicações da Torá? Ou era algo mais profundo? A aura sobre Yeshua difere muito daquela sobre os líderes religiosos de sua época. Ele vem como uma figura soberana fazendo reivindicações supremas. Ele alegou autoridade excepcional e fez afirmações extraordinárias, fazendo “exigências” consistentes com eles. Sua autoridade era tão radicalmente diferente da dos líderes (cf. Mc. 01:22) que o conflito era inevitável.

Enquanto ele falava com a sua própria autoridade, isto não constituiu uma ruptura com o Judaísmo. Ele não desafiou o Judaísmo, mas chamou a atenção para a sua intenção apropriada, um processo também central na tradição rabínica. Mas ele o fez com uma autoridade de chamada que foi bastante inigualável.

O tom adotado em recomendar essas variações foi totalmente inovador na experiência judaica, ele enfatizou sua própria autoridade para além de qualquer poder vicário ou poder delegado do alto. [Jacobs, p. 163.]

A chave para o conflito, então, gira em torno de singularidade e autoridade de Yeshua como o Messias esperado e como o segundo Moisés. Em seu ministério, “Eu digo” substitui “assim diz o Senhor.” Pois o que ele falava vinha diretamente e expressamente do Eterno D’us. Da mesmo forma que D’us fez com que Moisés fosse ELOHIM sobre o faraó, e as palavras de Moisés eram as palavras diretas do Eterno D’us, e Arão era o profeta de Moisés. (Êxodo 7:1).

Como o Messias e iniciador do “Mundo Vindouro”, ele trouxe uma nova ordem das coisas. [Cf. Moore, vol.1, pp. 270-271.]. A messianidade de Yeshua implicava que algo novo havia chegado para o Judaísmo. Isso formou uma base para a sua autoridade e por quaisquer adaptações ou interpretações apropriadas que ele pudesse ter feito, ou para os desafios que ele levantou contra certas interpretações que obscureciam o significado pretendido da Torá.

Como Messias esperado e Segundo Moisés, ele foi o intérprete oficial da Lei.

De fato, o Talmud indica que a autoridade do Messias é tão grande que: “Mesmo que ele lhe diga para transgredir qualquer dos mandamentos da Torá, obedeça a ele em todos os aspectos” (Yebamot 90).

Em última análise, a identidade e a autoridade de Yeshua como o Messias esperado o colocaram em conflito com os líderes religiosos de sua época (cf. Jo 11, 48-50). Porém, seus ensinamentos permaneceram firmemente enraizados dentro do Judaísmo.

 

PARTE 5

Yeshua disse de forma bastante direta: “Observem os mandamentos de D’us” (Mc 10, 17-19; Mt. 19: 16-19.; Lc 18, 18-20.). Ele também indicou que a Torá não passará com a sua vinda (Mt 5:18).

Muitas vezes suas declarações começando com “mas eu digo” são apresentadas como evidência para sua anulação da Torá. Mas estas declarações dele – como em breve será mostrado – funcionam mais como uma Midrash, um desdobramento sobre a explicação do significado mais profundo, mais completo da Torá, e não como uma anulação [David Daube, THE NEW TESTAMENT AND RABBINIC JUDAISM, University of London Press, London, 1956, p. 60].

Na verdade, quando comparado com as tradições que servem como fundamentos da Torá Oral no Judaísmo clássico, as interpretações que Yeshua dá são compatíveis com a estrutura da Torá Oral e com o método pelo qual as suas disposições foram elaboradas a partir do texto escrito. [Bokser, p. 194].

Portanto, Mateus 5:17-20 continua a ser a passagem crucial para a compreensão da perspectiva de Yeshua em seu relacionamento com a Torá. É aqui que ele descreveu seu propósito ou intenção (“eu vim / não vir”) no que diz respeito à Torá. Ele afirmou que seu propósito não era abolir a Torá. O termo abolir (kataluo) carrega a ideia de: “acabar com, anular, tornar inválido, revogação, terminar” [Bauer, Arndt & Gingrich, “kataluo”].

E Yeshua não veio fazer nenhuma das opções acima. Na verdade, ele mencionou “não abolir” duas vezes, de modo a enfatizar sua intenção. A força de sua afirmação é reforçada pela frase: “Não pensem que”, que tem o sentido de “NUNCA pense que”. [Nigel Turner, A GRAMMAR OF NEW TESTAMENT GREEK, Vol. III, “Syntax,” T. & T. Clark, Edinburgh, 1963, p. 77].

Ele queria que as pessoas entendessem claramente que ele não iria anular, revogar ou rescindir a Torá! Em seguida, ele estabeleceu um forte contraste com esta afirmação. Ao usar a construção particular para “mas” (ouk … alla), Yeshua estava apresentando “cumprir” como um oposto direto, ou forte contraste com a sua declaração anterior.

Com efeito, tudo o que a palavra “abolir” significa, a palavra “cumprir” não significa, e vice-versa; qualquer explicação para “cumprir” que até mesmo possa relembrar o impulso de “abolir” está, portanto, fora de questão. Agora, no passivo, “cumprir” (pleroo) é usado no sentido de coisas, particularmente as Escrituras, sendo cumpridas. No entanto, no ativo, como é aqui, o sentido é diferente. Aqui ele carrega a ideia de: preencher completamente, tornar completa, confirmar, mostrar claramente o verdadeiro sentido, trazer à plena expressão; em outras palavras, “para preencher integralmente”. [Bauer, Arndt & Gingrich, “pleroo”].

A imagem parece ser aquela de um baú de tesouro, repleto de objetos de valor (cf. Mt. 13:52.). As origens linguísticas prováveis do grego no texto aqui ajudam a preencher as implicações de “cumprir”, especialmente à luz do contexto desta passagem. Na Septuaginta, o termo traduz Mala, Taman, e Sava com o sentido de “tornar completamente cheio, encher a medida”. [Gerhard Delling, “pleroo,” in Gerhard Kittel & Gerhard Friedrich, eds., THE THEOLOGICAL DICTIONARY OF THE NEW TESTAMENT, vol. VI, Eerdmans, Grand Rapids, 1968, pp. 287-288].

Nos Targuns, Male e Kum são usados alternadamente. [ D. A. Carson, “Matthew,” THE EXPOSITOR’S BIBLE COMMENTARY, vol. 8, Frank Gaebelein, ed., Zondervan, Grand Rapids, 1984, p. 143.] 

O termo hebraico provável por trás do grego é Kiyyem (o equivalente ao kum aramaico do Targum), que significa “manter, sustentar, preservar”. [Daube, p. 80; David Bivin, “Preview: The Jerusalem Commentary,” THE JERUSALEM PERSPECTIVE, March 1988, p. 4.]. O termo implica que o ensino dado concorda com o texto da Escritura em questão. Isso se encaixa admiravelmente com a discussão dos versos 21-48.

O provável equivalente aramaico, la’asuphe, significa “adicionar”; e conota a ideia de preservar o significado pretendido de uma declaração, incluindo todas as ações ou proibições implicadas por ela [Finkel, p. 163].

A discussão de Yeshua nos versículos 21-48 ilustra incisivamente esta ênfase. Assim, tanto o pano de fundo aramaico quanto o hebraico reforçam a ideia de plenitude como o preenchimento total ou plenificação. Como se vê, “abolir” e “cumprir” são, na verdade, termos usados na época como parte do debate acadêmico e discussão rabínica. [Bivin, p. 4.].

Um sábio foi acusado de abolir ou cancelar a Torá se ele interpretou mal uma passagem, anulando a sua intenção. Se ele “cumpriu”, ele interpretou corretamente a Escritura, de modo a preservar e corretamente explicar o seu significado. O restante deste parágrafo (vv 18-20) reforça ainda mais esse entendimento de cumprir. Quando Yeshua falou que nem mesmo o “Yud” ou “menor traço de uma caneta” passariam, ele falou em termos semelhantes aos Sábios: “Se o mundo inteiro se reunisse para destruir o Yud, que é a menor letra na Torá, eles não conseguiriam.” (Cânticos Rabá 5.11; cf. Levítico Rabbah 19). “Nenhuma letra deve ser abolida da Torá, para sempre” (Êxodo Rabá 6.1).

E, ele acrescentou que ninguém pode quebrar ou anular nem mesmo o menor dos mandamentos, sem colocar em risco o seu status futuro (v.19). Como se isso não bastasse, ele concluiu esta seção (v.20) enfatizando que seus seguidores precisavam ser ainda mais atentos e devotos do que os fariseus, ultrapassando até mesmo a sua prática exemplar das tradições! Portanto, ao que tudo indica, o que de fato Yeshua está dizendo é: … “Eu não somente não derrubo a Lei … ou a esvazio de seu conteúdo, mas pelo contrário, eu aumento esse conteúdo, de modo a preencher a Lei, até que ela fique cheia até a borda.” [Isaac, p. 66].

Então, Yeshua veio trazer a correta interpretação e compreensão da Lei, ou seja, para indicar as implicações e significado profundo e completo dos mandamentos. Portanto, uma pessoa que obedecia aos ensinamentos de Yeshua obedecida até mesmo ao menor dos mandamentos (v. 19). Porque ele estava ensinando a sua importância pretendida pela Torá (cf. Rm 8. 4). O contexto seguinte (v. 21f) desenvolve este princípio fundamental (vv. 17-20) de forma rabínica típica, ou seja, uma lista de casos que demonstram ou que ilustram o princípio [Daube, p. 61].

Basicamente, nesta seção, Yeshua estava dizendo: “Eu digo a você: não pare no meio do caminho em obediência a D’us e seus santos mandamentos; vá além, sempre além da letra do mandamento, em direção ao espírito que lhe dá vida, a partir do literal para o sentido profundo interior;”… sejam perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt. 5:47); e que a Lei finalmente seja levada a efeito, em sua plenitude. [Isaac, p. 66].

Com efeito, Yeshua construiu uma “cerca em torno da Lei” – como indicados pelo aramaico e hebraico fundamental “cumprir” – muito como os sábios anteriores citados pelo Talmud fizeram (Pirkei Avot 1.2). E o seu muro é muito semelhante ao dos sábios rabinos. [See Lachs; Montefiore; Finkel; G. Friedlander, THE JEWISH SOURCES OF THE SERMON ON THE MOUNT, KTAV, New York, 1991; Pinhas Lapide, THE SERMON ON THE MOUNT, Orbis Books, Maryknoll, NY, 1986; Gregory Hagg, “The Interrelationship Between the New Testament & Tannaitic Judaism,” doctoral dissertation, New York University, 1988; and Strack-Billerbeck’s German commentary on the gospels].

 

PARTE 6

PASSAGENS PROBLEMÁTICAS

Grande parte da discussão sobre o relacionamento de Yeshua com a halachá gira em torno de violações aparentes ou alegadas da Torá e /ou das tradições. Várias passagens levantam a questão da possível violação. Como elas podem ser vistas?

Mateus 5: 21-48

Frequentemente, a formulação “Ouvistes que foi dito … mas eu vos digo …”, encontrada no Sermão da Montanha, é apresentada como evidência de sua oposição às tradições. Na verdade, esta declaração reflete uma fórmula rabínica usada para indicar que uma determinada interpretação da Bíblia pode não ser válida no sentido mais pleno. Em outras palavras, isso implica: “Pode-se ouvir assim e assim … mas há um ensinamento para dizer que as palavras devem antes ser tomada neste sentido.” Na verdade, esta é uma frase que Rabi Ishmael – contemporâneo de Yeshua e um dos maiores estudiosos citado no Talmud – usava com frequência (cf. Mekilta 3a, 6a, et al.). O ponto a ser feito pela fórmula é que para algumas pessoas a Escritura parece ter um certo significado, mas que o significado aparente é uma compreensão incompleta ou imprecisa. Então a primeira parte da formulação implica uma interpretação específica da Escritura realizada por alguns, e não se destina como uma citação da Escritura. Como tal, esta é uma forma rabínica de refutar uma compreensão incompleta ou inexata.

Além disso, a locução “mas eu digo que” implica um contraste que não é suportado pelo texto. O grego usado aqui é retirada, o que mais normalmente designa um acoplamento “e”, em vez de um contraste “mas”. Uma tradução melhor seria, portanto, leia-se: “E eu vos digo”. Isto corresponde diretamente à frase “va ani omer lachem”, no hebraico comum. Esta frase não introduz uma contradição com a Torá; ele começa com uma elaboração do texto. Na verdade, é uma frase rabínica e conceito comum com paralelos nos escritos talmúdicos. Eles são um par interativo de expressões técnicas decorrentes da retórica rabínica básica. O primeiro passo começa com “até este ponto você entendeu o texto desta maneira.” Em seguida, a tradução literal, a interpretação comum ou a opinião de um colega seriam citadas. Depois disso, viria a frase “E eu digo,” introduzindo assim a elaboração do intérprete da passagem em questão.

Normalmente o que se seguiu à segunda frase era uma dedução lógica introduzida por uma forma do verbo “dizer”: “você deve dizer,” ou “há um ensinamento que quer dizer”. No entanto, Yeshua não utilizou nenhum argumento ou desenvolvimento lógico para validar a sua interpretação; ele simplesmente disse: “eu digo.” Ele foi além da ênfase de costume, e em vez de uma exposição rabínica da Torá, ele apresentou o sentido mais completo em uma proclamação autoritária que implicou que ele era a autoridade suprema ou final. (No entanto, mesmo neste caso, a formulação específica foi bastante rabínica e paralela ao encontrado em Avot DeRabbi Nathan (XIII, p. 16a- aval ani Omer Leka). Significativamente, na literatura rabínica, Deus é aquele que ocasionalmente se compromete com essas “correções” (Midrash Tanḥuma, Jer. 4: 2 sobre a bondade).

A discussão anterior implica que Yeshua não se opôs à antiga Lei por uma nova, mas contrasta duas interpretações, sua base em sua autoridade pessoal e algumas comumente aceitas. Seu método foi explicar a intenção e ideal subjacentes à Escritura e usar os próprios ensinamentos e tradições comuns aos seus contemporâneos, não deixando de lado o outro, mas incluindo e expandindo-o. Com efeito, como o Sermão da Montanha apropriadamente ilustra, ele intensificou a Torá com suas declarações.

Portanto, não podemos falar da Lei a ser anulada na antítese, mas apenas de que seja intensificada em sua demanda, ou reinterpretado num tom mais alto.

Como Geza Vermes, o estudioso judeu da Universidade de Oxford, observou astutamente:

“… A única inferência lógica é que Jesus insistiu livremente, mesmo em um contexto puramente ritual, em estrito apego à Torá”.

Mateus 9:16-17

No entanto, as declarações de Yeshua em Mateus 9: 16-17 parecem contradizer essa perspectiva. Normalmente, esta passagem é citada para se opor ao uso de práticas tradicionais ou rabínicas. No entanto, uma reconsideração desta passagem indica que Yeshua, consistente com seu estilo de vida e com suas declarações em Mateus 5:17-20, não se opõe à observância das tradições. Após um exame maior, Yeshua não está dizendo a mesma coisa, ou seja, deixando de lado o “velho” – em duas maneiras diferentes; ele está falando de duas diferentes, mas relacionadas, questões focadas na combinação da fé em Yeshua com o judaísmo.

Verso 16: imagens do judaísmo como um casaco velho e fé messiânica não adaptadas como um remendo. “O remendo” neste contexto não implica “diminuição”, mas “adaptação” ao quadro do judaísmo. Se a fé messiânica não adaptada é combinada com o judaísmo tradicional, há resultados desastrosos. Isto deixa um buraco pior; e ambos os panos agora se tornam inúteis. Em outras palavras, a fé em Yeshua, arrancada de seu contexto judaico, pode ser bastante prejudicial. Yeshua implica que é essencial para a fé messiânica adaptar ao judaísmo, porque não há nada de errado com remendar um velho casaco. Neste momento e nesta cultura, roupas velhas não foram jogados fora o mais cedo possível, como a sociedade moderna tende a fazer. Elas eram avaliadas e restauradas. Os primeiros judeus messiânicos adaptaram a sua fé ao quadro do judaísmo. Infelizmente, a “igreja” depois não o fez; ela “arrancou” a partir do “casaco”, deixando tanto pior. Na verdade, algumas formas de cristianismo tornaram-se paganizadas precisamente porque desvalorizaram a Torá ou ignoraram suas raízes judaicas.

Enquanto o versículo 16 ensina que a fé messiânica deve ser adaptada ao judaísmo, o versículo 17 indica que o judaísmo precisa ser ajustado à fé em Yeshua. Yeshua compara o vinho novo à fé messiânica e os odres velhos ao judaísmo tradicional. Se o vinho novo é posto em odres velhos, o vinho se perde e as peles do odre são arruinadas! Mas se os odres do judaísmo tradicional são renovados, ou recondicionados, como odres eram naqueles dias, para acomodar a confiança em Yeshua, tanto a fé messiânica e o renovo do judaísmo “são preservados”.

A escolha cuidadosa feita por Mateus das palavras aqui reforça esse entendimento. Ele fala de novo (em grego: neos); vinhos e peles frescos (kainos). O anterior indica novo no que diz respeito à quantidade, ou seja, de tempo; este último, no que diz respeito à qualidade. Neos implica imaturidade ou falta de desenvolvimento; kainos indica “novo” ou “renovado”, contrastando “velho” ou “não renovado.” Odres velhos perdem a sua força e elasticidade, portanto, não podem suportar a pressão da nova fermentação do vinho. No entanto, uma pele velha pode ser “renovada” e, portanto, reativada. Em sociedades antigas, conscientes da conservação, a restauração de itens, tais como velhos odres, era altamente desejável; portanto, era importante que isso fosse feito.

A declaração de Yeshua implica que a nova fé messiânica não pode ser derramada em antigos conceitos religiosos, se eles permanecem rígidos. Mas, se as velhas ideias religiosas se tornam frescas e flexíveis, então, poderão acomodar Yeshua. Neste contexto (isto é, vv. 1-15), a acomodação necessária envolve refinar o entendimento do Messias para incorporar completamente os conceitos do Filho Supernatural e o Servo Sofredor. Com demasiada frequência, a inferência é desenhada no sentido de que o judaísmo não pode, eventualmente, ser um contexto apropriado para confiar em Yeshua, somente os odres novos do cristianismo vão funcionar. No entanto, aqui Yeshua faz o ponto de que o recipiente que possa melhor segurar o vinho novo da fé messiânica é um judeu, um adequadamente renovado, revigorado e recondicionado Judaísmo flexível o suficiente para reconhecê-lo.

Tomados em conjunto, estes versos sugerem que tanto a fé messiânica e a do Judaísmo precisam ajustar-se um ao outro. No versículo 16, o “velho” tem a sua vida e utilidade prorrogados pelo ajuste adequado e aplicação do “novo”. No versículo 17, o “velho” é revitalizado e renovado para mais serviço e torna-se um veículo eficaz para transmitir o “novo”. Em ambos os casos, o “velho” não é posto de lado, mas tem uma utilização prolongada e contínua. O ponto é que, sem o “velho”, o “novo” seria perdido, bem como o “velho”; agora, “ambos se conservam”.

O contexto maior destes pontos da passagem refere-se à natureza da novidade e refino que Yeshua tem em mente. Os versos 14-15 indicam que o conceito de Messias deve ter um lugar de destaque para o Servo Sofredor encontrado em Isaías, semelhante ao Mashiach ben Yosef dos Rabinos. Os versos 1-8 enfatizam que uma compreensão completa do Messias também deve contabilizar o sobrenatural Filho do Homem retratado em Daniel e na literatura do Segundo Templo (e talvez um pouco ao longo da linha do Melquisedeque dos Manuscritos do Mar Morto).

Tanto o parágrafo seguinte (v. 18-19) e o contexto mais cedo (8:18-22) reforçam a perspectiva aqui apresentada. No primeiro caso, um líder da sinagoga, um tradicional, um oficial, um observador religioso judeu, mostra profundo respeito perante Yeshua. No outro caso, “os professores da Torá” estão entre seus discípulos! Ambos os casos demonstram a associação de Yeshua e a aceitação de parte de elementos tradicionais do Judaísmo do Segundo Templo.

 

PARTE 7

A CONTROVÉRSIA DO SHABAT

Os evangelhos registram uma série de discussões e diferenças entre Yeshua e alguns dos líderes religiosos sobre as atividades apropriadas para o Shabat. Algumas pessoas têm visto nestes relatos que os ensinamentos de Yeshua parecem violar ou anular certas leis sobre o Shabat. Ao analisar essas passagens, é importante lembrar que foram autorizadas certas “violações” do Shabat. A visão predominante era a seguinte:

“É permitido violar um Shabat, a fim de que muitos outros possam ser guardados; as leis foram dadas para que os homens pudessem viver de acordo com elas, e não que os homens devessem morrer por elas.”

Concessões consideráveis foram feitas, embora tenha havido muito debate sobre os limites dessas concessões. Salvar vidas, aliviar a dor aguda, curar picadas de cobra e cozinhar para os doentes foram condutas autorizadas no Shabat (Shabbat 18,3; Tosefta Shabbat 15,14; Yoma 84b; Tosefta Yoma 84.15), o que demonstra clemência, não absoluta rigidez.

Citando Isaías 58:13, os rabinos também permitiram atos de serviço aos outros, por exemplo, reuniões com a finalidade de decidir sobre doações para caridade e fazer arranjos para o envolvimento ou para a educação de uma criança. Eles viram esses atos de serviço como o negócio de Deus, e não como seus próprios negócios. Uma vez que as boas ações eram assunto de Deus, elas foram autorizadas (Shabat 150a). No entanto, estas flexibilizações não foram prorrogadas de forma indiscriminada por medo de destruir aquilo para o qual este dia foi reservado por Deus. No entanto, o princípio rabínico básico permaneceu: “O shabat foi feito para você; você não foi feito para o shabat” (Mekilta sobre Ex. 31:14, 104a).

Outros questionam a propriedade de Yeshua curar no Shabat. O exemplo mais claro seria em João 5:8, onde ele aparentemente ordena ao homem a “trabalhar” no Shabat, dizendo: “Pegue o seu leito e ande”. No entanto, ao examinar fontes judaicas iniciais e do Judaísmo no primeiro século, vemos que o que constituía trabalho ainda não tinha sido totalmente definido. Assim, por exemplo, carregar coisas dentro de uma cidade murada (Jerusalém) nem sempre era considerado trabalho. O que nós aprendemos de João 5:8 é que Yeshua foi retratado como aquele que tem a correta compreensão de como manter o mandamento: “Você não deve fazer nenhum trabalho no dia de Shabat”. Assim sendo, o principal que Yeshua estava mostrando aqui é que além de ensinar a forma correta de se guardar o Shabat ele ainda realizou uma cura tão impressionante que nenhum outro homem na terra conseguiria reproduzi-la. Um homem paralítico que carrega sua cama no Shabat era um testemunho vivo dos atos poderosos de Deus através de Yeshua. E sobre a profanação ou não do Shabat, as decisões rabínicas de seu tempo permitiram a realização das curas que Yeshua fez no Shabat. Como Safrai conclui: “As curas que Yeshua fez no Shabat, que irritaram o chefe da sinagoga, eram permitidas pela lei tanaítica”.

Várias outras considerações valem a pena mencionar. Os escritos de Josefo nos mostram que muitas das regras de Shabat e outras regulamentações não estavam em vigor no tempo de Yeshua. Elas ainda estavam em discussão. Yeshua, portanto, em sua interação na questão do Shabat, não negou a validade da Torá ou halachá, mas apenas rebateu essas interpretações extremas propostas por alguns. Nisso, ele geralmente se opôs os pontos de vista de Shamai em favor daqueles de Hillel.

Como se vê, até mesmo suas respostas não foram tão revolucionárias como inicialmente se imaginava, mas estavam “em harmonia com os pontos de vista dos escribas modernos.” E ele fez essas suas respostas em forma e estilo tipicamente rabínico, com frequência usando um tipo específico de argumentação chamada de Yelammedenu. Trata-se de uma pergunta dirigida ao professor, seguida por sua resposta baseado em um Midrash (interpretação) ou halachá (opinião autorizada).

As passagens sobre o Shabat (Mt 12: 1-8; 12: 9-13; Mc 2: 23-28; 3: 1-6.; Lc 13: 10-17; 14:.. 1-6; Jo 5: 1-16; 7: 22-23) registram a resposta de Yeshua neste formato, no qual ele citou uma interpretação da Escritura ou uma opinião rabínica aceita, por exemplo, “É lícito salvar a vida ou deixá-lo morrer no Shabat?” (35b Yoma). De fato, seu argumento é estreitamente paralelo ao de um rabino um pouco posterior chamado Rabino Ismael (Yoma 85a), particularmente em Marcos 3. Ele também frequentemente cita, em estilo tipicamente rabínico, tanto o princípio quanto um exemplo que ajudou a esclarecê-lo. Ao expor seu argumento em situações como esta, ele usou uma variedade de conceitos judaicos familiares, conclusões haláquicas e métodos rabínicos.

Yeshua justificou a ação impugnada, alegando uma porção de ensino que os seus adversários também reconheciam como válido. Diz um sábio ditado: “uma passagem da Escritura … um mandamento estabelecido …”, em outras palavras, ele começa a partir da mesma base que os seus antagonistas. Se ele não o fizesse, não os teria colocado em silêncio.

Portanto, tanto a forma de suas respostas quanto o conteúdo que ele comunicou nestas situações atingiram acordes familiares nos ouvintes, consistentes com o ensinamento que eles tinham recebido, o que, por causa de sua força de convicção, deixou-os sem resposta.

Várias implicações surgem a partir das discussões anteriores. Primeiro, houve discordância e discussão no tempo de Yeshua sobre o que era e não era lícito, e isto não era uma questão resolvida. Ele entrou nesta discussão e proclamou os seus ensinamentos. Neles ele reconheceu as proibições contra trabalhar no Shabat e explicou suas aplicações e qualificações. Mas, então, ele com isso expôs como os regulamentos de Shabat foram manipulados pelos líderes religiosos fariseus.

Em segundo lugar, o fato de que ele tomou o problema para argumentar e declarar certas coisas lícitas, e não apenas dizer que o Shabat e as suas tradições foram suspensas, é significativo.

Significa que ele reconheceu que certas ações eram ilegais no Shabat e, portanto, não afastou os preceitos e práticas do Shabat. (Compare com Mateus 24:20, onde assumiu a continuidade das leis do Shabat, quando ele disse: “Orai para que vossa fuga não seja nem no inverno nem no Shabat”). Se ele tivesse quebrado o Shabat e as suas tradições, como observado anteriormente, as evidências disto teriam sido usadas contra ele em seu julgamento perante o Sinédrio. Este tipo de evidência teria sido apresentada se tivesse havido a menor base para a acusação; ainda assim não há nenhum vestígio disso em lugar algum (Mc. 14:55-64).

Em terceiro lugar, nos casos de controvérsia, Yeshua tomou uma posição clara, e não contra a Torá ou os costumes, ou mesmo contra o farisaísmo e as tradições, mas contra certas tendências ou interpretações entre alguns dos fariseus, frequentemente usadas paralelamente por uma escola do fariseus contra outra.

Finalmente, quando Yeshua entrou no debate e apresentou seu caso, ele o fez da forma típica rabínica, usando argumentos haláquicos e exemplos familiares aos seus ouvintes, e chegando a conclusões que se mostravam tanto consistentes com o que eles tinham sido ensinados e bastante convincentes.

O que é intrigante para estudantes judeus de todas as Yeshivot é que a atitude sobre o Shabat como hoje é refletido no judaísmo rabínico é muito próximo ao que foi ensinado por Yeshua, e muito distante daquilo que foi ensinado por seus adversários.

 

Compartilhe: