O Vegetarianismo na Torá

O Vegetarianismo na Torá

Por Tsadok Ben Derech

Instituiu YHWH ao primeiro homem e à primeira mulher, Adam (Adão) e Chavá (Eva), uma alimentação vegetariana:

“E disse Elohim: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dê semente,

לָכֶ֥ם יִֽהְיֶ֖ה לְאָכְלָֽה׃ para vós será para comida” (Gn 1:29).

Percebe-se que o plano original do ETERNO para o homem era uma dieta exclusivamente vegetariana. Não era permitido ao homem tirar a vida de qualquer animal para fins de alimentação. O ser humano deveria se alimentar de ervas e dos frutos das árvores. Isto é uma verdade bíblica confirmada por Chazal, Nossos Sábios de Abençoada Memória.

Nesse sentido escreveu Rashi:

“Deus não permitiu que Adão e sua esposa matassem uma criatura e comessem sua carne. Apenas a erva verde constituiria sua alimentação”.

Disserta o Rabino Ibn Ezra:

“E Deus disse: ‘Eis que tenho dado a vocês’ (Gn 1:29) – Ele permitiu que os seres humanos e todos os que têm uma alma viva [isto é, animais] comam todas as ervas; todo fruto é permitido aos humanos e ervas a todos os animais e coisas rastejantes. Até este ponto a carne não foi permitida [e não será] até depois do dilúvio.

Confira-se o magistério de Ramban:

“‘Eis que vos dei todas as ervas que dão semente’ (Gn 1:29). Ele não permitiu que Adam e sua mulher matassem uma criatura e comessem sua carne; somente todas as ervas verdes eles tinham permissão para comer”.

Citam-se ainda diversos eruditos que afirmam ser a dieta do primeiro homem estritamente vegetarianaMaimônides, Yosef Albo, Raphael Hirsch, Moshé Cassuto, Nehama Leibowitz, dentre outros.

A mesma conclusão é adotada pelo Talmud:

“A Adam não era permitida a carne para fins de alimentação”. (Sanhhedrin 59b).

Perguntam-se os Rabinos: Por que o ETERNO determinou para o homem uma alimentação vegetariana?

O filósofo judeu do 13º século, o aclamado Ramban, explicou da seguinte maneira:  

Os seres vivos possuem uma alma em movimento e uma certa superioridade espiritual, o que, neste ponto, os torna semelhantes aos que possuem intelecto (pessoas) e eles têm o poder de afetar seu bem-estar e sua comida, e eles fogem da dor e da morte”.

Ou seja, segundo Ramban, os animais são seres sencientes, e por isso possuem sentimentos e experimentam dor, angústia, solidão, amor, alegria, raiva etc. Por conta de tal razão, YHWH impediu que os animais, que neste ponto são semelhantes aos homens, fossem mortos.

De acordo com o Rabino Yosef Albo, aquilatado filósofo, a razão de o ETERNO preconizar a dieta vegetariana possui a seguinte explicação:

“No ato de matar animais há crueldade, raiva e acostuma-se alguém com o mau hábito de derramar sangue inocente”. [Sefer HaIkarim, Vol. III, cap. 15].

Após determinar uma dieta vegetariana para os homens, o ETERNO estabeleceu uma dieta vegetariana também para os animais:

“E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde será para mantimento” (Gênesis 1:30).

Imediatamente após ordenar tais leis alimentares, o ETERNO viu tudo o que havia feito e então disse: וְהִנֵּה־ט֖וֹב מְאֹ֑ד – “eis que era muito bom” (Gn 1:31). Tudo no universo estava exatamente como o ETERNO desejava, em completa harmonia, sendo a dieta vegetariana eleita em seu plano original.

Apenas após a queda do homem e o dilúvio na época de Noach (Noé) é que o ETERNO permitiu que o homem passasse a se alimentar da carne de animais.

Na época de Noach, a sociedade havia chegado a um nível de extrema degradação moral, consoante o relato de Bereshit/Gênesis 6:11-13:

“Ora, a terra estava corrompida aos olhos de Elohim e cheia de violência.  Ao ver como a terra se corrompera, pois toda a humanidade havia corrompido a sua conduta, Elohim disse a Noach: Darei fim a todos os seres humanos, porque a terra encheu-se de violência por causa deles. Eu os destruirei com a terra”.

O ETERNO, então, destruiu o mundo com todos os seres humanos, exceto Noach e sua família, pois o ser humano demonstrava sua inclinação somente para o mal. O homem não estava disposto a viver de acordo com os elevados propósitos de HaShem:

“O ETERNO viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e que toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para o mal”. (Gn 6:5)

Nesse contexto, portanto, em que o ETERNO viu a maldade e dureza de coração do homem, o mundo e seus habitantes foram destruídos, exceto Noach e sua família, bem como abriu-se a concessão para que os homens pudessem se alimentar de animais, o que pode ser vislumbrado em Gn 9:3:

“Tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso mantimento; tudo vos tenho dado como a erva verde”.

Com base no texto citado, ensinam os Rabinos que a dieta vegetariana perdurou desde a criação do homem, e após o Dilúvio o ETERNO permitiu o consumo de animais. Confiram-se os escólios de Rashi:

“Lhes será por alimento (Gn 9:3). Porque não permiti a Adam comer carne, mas apenas vegetais. Porém, para vocês, eu lhes dei tudo, assim como a vegetação que permiti para o primeiro homem”.

Nota-se que nesse momento o ETERNO já havia se afastado de seu alto e sublime plano para o homem.

Segundo leciona Avraham Yitschak Kook, que foi o primeiro Rabino Chefe do pré-Estado de Israel e líder espiritual altamente respeitado e amado no início do século 20, as pessoas tinham afundado a um nível tão baixo de espiritualidade que era necessário que elas recebessem uma imagem mais elevada de si mesmas, em comparação com os animais, e que concentrassem seus esforços para melhorar as relações entre os seres humanos em primeiro lugar. Entendia que, se as pessoas fossem privadas do direito de comer carne, elas poderiam passar a comer a carne de seres humanos, devido à sua incapacidade de controlar o seu apetite por carne. Ele se refere à autorização para o abate de animais para alimentação como um “imposto de transição” ou “dispensa temporária” até que uma “era mais brilhante” fosse atingida, quando, então, as pessoas voltariam à dieta vegetariana, que sempre foi o plano original do ETERNO.

Importante lembrar que o Sefer Chanoch (livro de Enoque) registra que os gigantes comiam carne humana, e talvez houvesse até mesmo se desenvolvido uma cultura de canibalismo entre os próprios homens. Isto se harmoniza com o pensamento citado do Rabino Kook no sentido de que, se HaShem não autorizasse o consumo de carne animal após o Dilúvio, seria possível que os homens passassem a comer carne dos próprios seres humanos.

Afirma o rabino Avraham Yitschak Kook que a permissão de se comer carne animal foi apenas uma concessão temporária, porquanto um Elohim que é misericordioso para com suas criaturas não iria instituir uma lei eterna de se matar animais para alimentação.

Ensina o Rabino Kook:

“O avanço dos ideais dinâmicos não será eternamente bloqueado. Através do avanço geral, moral e intelectual, quando eles não ensinarão mais cada um a seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: Conheça ao ETERNO, porque todos me conhecerão, desde o menor deles até o maior deles (Yirmeyahu/Jeremias 31:34)a aspiração latente de justiça para o reino animal virá à tona, quando o tempo estiver maduro”.

Ora, o Rabino Kook citou a passagem de Yirmeyahu/Jeremias que diz respeito à B’rit Chadashá (Nova Aliança)! Ou seja, nos tempos da consumação da Nova Aliança, na Era Messiânica, tudo deve voltar a ser de acordo com o plano original do ETERNO, com a harmonia existente no Éden antes da queda do homem, o que inclui uma dieta vegetariana.

A verdade é que as pessoas não estão sempre preparadas ou dispostas a viver de acordo com os maiores ideais do ETERNO. Por conta disso, HaShem permitiu temporariamente o consumo de carne, mas na Era Messiânica será restaurado o plano original de HaShem: o vegetarianismo.

Leciona o rabino Isaak Hebenstreit – um rabino polonês que escreveu Kivrot HaTaavá (Túmulos de concupiscência), em 1929, – que o ETERNO nunca quis que as pessoas comessem carne, por causa da crueldade envolvida, e que os homens não devem matar qualquer coisa viva e com ela encher seus estômagos, destruindo os outros. Ele acreditava que Deus deu temporariamente permissão de comer carne por causa das condições após o dilúvio, quando toda a vida vegetal havia sido destruída.

Pouco antes de dar a concessão para Noach e sua família comerem carne, Elohim afirma:

“Todos os animais da terra tre­merão de medo diante de vocês: os animais sel­vagens, as aves do céu, as criaturas que se mo­vem rente ao chão e os peixes do mar; eles estão entregues em suas mãos”. (Gn 9:2)

Agora que há permissão para comer os animais, as pessoas e os animais não trabalham mais juntos em harmonia, mas as criaturas vivas sentem medo e pavor dos seres humanos.

Rabino Raphael Hirsch, um notável comentarista da Torá do século XIX, afirmou que a ligação entre as pessoas e os animais foi quebrada, o que iniciou uma mudança na relação das pessoas com o mundo.

Registra-se que a permissão dada a Noach para comer carne não era incondicional. Houve uma proibição imediata de comer sangue:

“A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis”. (Gn 9:4).

Escreveu o rabino Samuel Dresner:

“A retirada de sangue que a kashrut ensina é um dos mais poderosos meios de nos fazer constantemente cientes da concessão e do compromisso que todo o ato de comer carne, na realidade, é. Mais uma vez nos ensina reverência pela vida”.

De acordo com Isaac Arama (1420-1494), autor de Akedat Yitzchak, e outros eruditos, depois que os israelitas deixaram o Egito, Deus tentou estabelecer uma outra dieta sem carne, o man (maná).

A Torá apresenta a história do man (maná) com a seguinte mensagem divina que Moshé transmitiu aos filhos de Israel, em resposta à sua preocupação sobre o que iriam comer no deserto:

“Então disse o ETERNO a Moshé: Eis que vos farei chover pão dos céus, e o povo sairá, e colherá diariamente a porção para cada dia
…” (Êxodo 16:4).

Com a dieta vegetariana do man (maná), as pessoas não precisavam se esforçar continuamente para prover seus meios de subsistência. Elas poderiam realmente descansar, ter um shabat tranquilo, sabendo que as suas necessidades seriam atendidas, sem que precisassem lutar por seu alimento.

Os filhos de Israel não estavam satisfeitos, no entanto, com a simples dieta de maná, que os sustentava no deserto. Então se queixaram: “Quem nos dará carne a comer?” (Nm 11:4). Eles disseram que se lembravam do peixe e das outras boas comidas que dispunham no Egito, mas agora tinham apenas maná para comer. O ETERNO muito se indignou e Moshé estava descontente. Finalmente, Elohim providenciou carne na forma de codornizes, que foram levadas por um vento do mar. Quando a carne estava em sua boca, antes que fosse mastigada, a ira de Elohim se acendeu contra o povo, e Ele feriu os israelitas com uma grande praga, matando muitos deles (Nm 11:4-34).

Observem os seguintes postos-chaves:

(1) Elohim queria que o povo de Israel fosse sustentado exclusivamente pelo maná (alimentação vegetariana);

(2) Elohim ficou muito irado quando clamaram por carne para comer, isto é, quando rejeitaram a alimentação vegetariana instituída, o man (maná);

(3) Elohim acabou fornecendo a carne que desejavam, mas feriu as pessoas com forte praga, exterminando muitos israelitas;

(4) O local onde o incidente ocorreu foi chamado de קִבְר֣וֹת הַֽתַּאֲוָ֑ה, “Túmulos de desejo”, para indicar que o desejo pela carne levou a muitas mortes (Nm 11:34).

Após a inauguração do Mishkan (Tabernáculo), inicialmente os israelitas somente poderiam comer os animais que fossem abatidos e consumidos como parte do serviço sacrificial no Tabernáculo (Levítico 17:3-5). O comer “carne não consagrada”, ou seja, a carne de bovinos abatidos para consumo privado, não era permitido. Portanto, cada refeição de carne era parte integrante de um rito sacrificial, sendo proibido o consumo de carne que não tivesse sido sacrificada a YHWH. Cita-se o texto de Lv 17:3-5:

“Qualquer homem da casa de Israel que imolar boi, ou cordeiro, ou cabra, no arraial ou fora dele,

e os não trouxer à porta da tenda da congregação, como oferta a YHWH diante do seu Tabernáculoa tal homem será imputada a culpa do sangue; derramou sangue, pelo que esse homem será eliminado do seu povo;

para que os filhos de Israel, trazendo os seus sacrifícios, que imolam em campo aberto, os apresentem a YHWH, à porta da tenda da congregação, ao sacerdote, e os ofereçam por sacrifícios pacíficos a YHWH”.

Ao comentar o texto acima, especificamente Lv 17:4, que imputa ao homem a culpa do sangue do animal que não foi abatido como oferta a YHWH no Tabernáculo, assevera Rashi:

É como se tivesse derramado sangue de um ser humano por assassinato, crime pelo qual se torna passível da pena de morte”.

Em outras palavras, nenhum israelita poderia matar um animal e comê-lo durante o período em que o povo de Israel permaneceu no deserto, exceto se o animal fosse oferecido como sacrifício no Tabernáculo, e parte de sua carne seria comida pelo ofertante na oferta de paz. Caso algum israelita matasse e comesse um animal fora da hipótese citada do rito sacrificial no Tabernáculo, seria passível da pena de morte, e o derramamento de sangue do animal equivaleria, segundo Rashi, ao derramamento do sangue de um ser humano.

Conforme tivemos a oportunidade de examinar em outro estudo[1], diversos Rabinos eruditos lecionam que, em verdade, o ETERNO nunca desejou o sacrifício de animais, visto que o extermínio de criaturas inocentes contraria a grande compaixão que pulsa no coração de YHWH.

Durante o tempo de Moshé (Moisés), foi a prática geral entre todas as nações pagãs adorar por meio do sacrifício, e havia muitos rituais idólatras associados a este tipo de culto.

O grande filósofo judeu Maimônides afirmou que Elohim não ordenou aos israelitas que parassem os sacrifícios porque “obedecer a tal mandamento teria sido contrário à natureza do homem, que geralmente se apega ao que é comumente usado”. Por esta razão, o ETERNO permitiu que os hebreus fizessem sacrifícios, mas “Ele transferiu para Seu serviço o que era usado na adoração de seres criados e de coisas imaginárias e irreais”, ou seja, todos os elementos da idolatria foram removidos. Para Maimônides, se os israelitas não fizessem sacrifícios para o verdadeiro Elohim, terminariam por oferecer sacrifícios a outros deuses (Guia dos Perplexos III:32). Logo, segundo Maimônides, os sacrifícios eram uma concessão às práticas primitivas das nações naquela época.

De fato, a Torá indica expressamente que YHWH estabeleceu o sacrifício de animais para si em substituição aos sacrifícios oferecidos aos demônios:

“1 Disse YHWH a Moshé:

 2 Fala a Aharon, e a seus filhos, e a todos os filhos de Yisrael e dize-lhes: Isto é o que YHWH ordenou, dizendo:

 3 Qualquer homem da casa de Yisrael que imolar boi, ou cordeiro, ou cabra, no arraial ou fora dele,

 4 e os não trouxer à porta da tenda da congregação, como oferta a YHWH diante do seu tabernáculo, a tal homem será imputada a culpa do sangue; derramou sangue, pelo que esse homem será eliminado do seu povo;

 5 para que os filhos de Yisrael, trazendo os seus sacrifícios, que imolam em campo aberto, os apresentem a YHWH, à porta da tenda da congregação, ao sacerdote, e os ofereçam por sacrifícios pacíficos a YHWH.

 6 O sacerdote aspergirá o sangue sobre o altar de YHWH, à porta da tenda da congregação, e queimará a gordura de aroma agradável a YHWH.

 7 Nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos ‎שְּׂעִירִ֕ם [demônios-bodes, ou seja, demônios em forma de bodes], com os quais eles se prostituem; isso lhes será por estatuto perpétuo nas suas gerações” (Lv 17:1-7).

Explica o Rabino Ibn Ezra que os israelitas no Egito estavam sacrificando aos demônios. Complementa o Rabino Bechor Shor dissertando que o texto “nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos demônios” (Lv 17:7) significa: “Eu [YHWH] não estou dizendo que preciso dos sacrifícios deles. Estou apenas tentando evitar que eles se acostumem a oferecê-los aos ídolos”. Logo, compreende-se claramente que YHWH não institui o sacrifício de animais por ter prazer na morte de animais inocentes, mas sim em razão de os sacrifícios constituírem uma prática idólatra das nações e até mesmo de Israel, e daí a Torá transferiu o sacrifício cruel aos demônios para o rito sacrificial indolor a YHWH no Tabernáculo e depois no Templo. Giza o Rabino JH Hertz que, se Moshé não tivesse instituído sacrifícios, que foram admitidos por todos como expressão universal de reverência religiosa, sua missão falharia e o Judaísmo teria desaparecido. Por que sua missão falharia? Porque os israelitas continuariam sacrificando animais de qualquer maneira, mas tais oferendas seriam dedicadas aos ídolos   

Como visto acima, após a inauguração do Mishkan (Tabernáculo), somente era possível o consumo de carne que fosse sacrificada ao ETERNO (Lv 17:3-5). Todavia, em razão da insistência do homem em querer comer a carne animal, finalmente Elohim permitiu que as pessoas comessem carne quando entrassem na terra de Israel, mesmo que esta não fizesse parte de uma oferta sacrificial:

“Quando o ETERNO teu Elohim dilatar os teus termos, como te disse, e disseres: Comerei carne; porquanto a tua alma tem desejo de comer carne; conforme a todo o desejo da tua alma, comerás carne”.  (Dt 12:20)

Esta carne permitida foi chamada em hebraico de “basar taavá” (תַּאֲוָ֑ה בָשָׂ֔ר), “carne do desejo”, assim chamada porque a carne não é considerada uma necessidade para a vida. Os versos acima não mandam as pessoas comerem carne. A tradição rabínica indica que os homens o fazem devido a seu desejo, e não por decreto de Elohim.

A conotação negativa associada ao consumo de carne é indicada no Talmud:

“A Torá ensina uma lição de conduta moral segundo a qual o homem não deve comer carne, a menos que ele tenha um desejo especial nesse sentido … e deve comê-lo apenas ocasionalmente e com moderação”. (Chulin 84a).

Vários rabinos, inclusive o Rabino Kook e a erudita Nehama Leibowitz, acreditam que a permissão para comer carne “segundo o desejo da sua alma” era um comando excepcional. Chegará o dia em que as pessoas vão detestar o consumo de carne de animais por causa de sua repugnância moral, e, nesse dia, será dito: “porque sua alma não deseja comer carne, você não irá comer carne”.

À luz da literatura rabínica, a Torá é favorável aos alimentos vegetarianos. Alimentos à base de carne são frequentemente mencionados com desgosto e estão associados à concupiscência – falta de controle sobre o próprio apetite, o que indica a falta de controle sobre os desejos carnais.

Há praticamente um consenso entre os rabinos no sentido de que na Era Messiânica a alimentação será vegetariana, até em razão de ocorrer a extinção da morte, conforme Is 25:8:

Aniquilará a morte para sempre, e assim enxugará Adonai YHWH as lágrimas de todos os rostos, e tirará o opróbrio do seu povo de toda a terra; porque YHWH o disse”.

Óbvio é o raciocínio: se na Era Messiânica não haverá morte, conclui-se categoricamente que animais não poderão ser mortos, razão pela qual o homem necessariamente será vegetariano, que foi a condição original do primeiro homem antes do pecado (Gn 1:29).

Rav Kook e Isaac Arama acreditam que nos dias do Messias as pessoas voltarão a ser vegetarianas. O primeiro afirma que, na era messiânica, “o efeito do conhecimento vai se espalhar até mesmo para os animais … e os sacrifícios no Templo serão composto de vegetais, e isso será agradável a Deus, como nos dias antigos …”. O Rabino Yossef Albo também afirma que animais não serão sacrificados na Era Messiânica.

Eles baseiam isto na profecia de Isaías:

“E o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabrito; E o bezerro, o leão novo e o animal cevado viverão juntos; E uma criança os guiará e a vaca e a ursa pastarão; Seus filhos se deitarão juntos, e o leão comerá palha como o boi …. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte”. (Isaías 11:6-9)

O texto acima é interpretado por diversos Rabinos no sentido de que os animais voltarão a ser vegetarianos (“o leão comerá palha como o boi”), e o homem retornará ao mesmo status do Gan Eden (Jardim do Éden) antes do pecado, numa condição em que não há maldade (“não se fará mal nem dano algum”), e isto inclui a dieta vegetariana originalmente instituída pelo ETERNO no Gan Eden (Gn 1:29).

Assevera o Rabino Bachya que, quando o homem pecou, toda a natureza sofreu uma mudança, porém, no futuro (na Era Messiânica), o ETERNO restaurará a benção que deu ao homem:

“e é isso que Yeshayahu (Isaías) 11:7 tinha em mente quando descreveu a situação idílica naquele tempo futuro, em que homens e animais comeriam palha” [isto é, voltariam ao vegetarianismo].

Pontua o erudito pensador judeu Richard Schwartz:

“Hoje, a maioria dos judeus come carne, mas o alto ideal de Deus, a lei dietética vegetariana inicial, ainda é suprema na Bíblia para os judeus e o mundo inteiro verem, um objetivo final para o qual todas as pessoas devem se esforçar”.

Na obra do escritor judeu Joe Green acerca do conceito vegetariano religioso exposto pelo Rabino Kook[2], conclui o autor que, ao adotar a dieta que será usada durante o tempo do Messias, os vegetarianos religiosos éticos judeus são pioneiros da Era Messiânica, e conduzem suas vidas para tornar mais provável e iminente a vinda do Messias.

 


[2] “Chalutzim of the Messiah–The Religious Vegetarian Concept as Expounded by Rabbi Kook”.

 

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